A ciência e a teologia mantêm um relacionamento delicado desde a época de
Galileu e Copérnico. Em alguns aspectos o cristianismo não conseguiu se
recuperar por completo da revolução cosmológica que retirou a humanidade do
centro do universo e a confinou a uma posição insignificante. Talvez seja em
decorrência desta postura de resistência aos avanços científicos, que poucos
pensadores cristãos da atualidade parecem beneficiar-se com o notável desenvolvimento
da física moderna. À sua maneira, Einstein,
Bohr e mais
recentemente Hawkins
empreenderam uma revolução tão espetacular quanto a de Copérnico, embora em
direções novas, chocantes para muitos.
Para começar, não apenas a humanidade, mas cada indivíduo, homem ou mulher,
recuperou, através da física moderna, sua posição de figura central na história
do universo. Na física de Newton, os indivíduos não ocupam um lugar
especial no universo, exceto como participantes ocasionais no fenômeno
estabelecido de causa e efeito. Mas alguns cientistas do século XX
defendem que a própria realidade da ocorrência de um evento depende da
existência de um observador.
O leigo rapidamente perde o entusiasmo no Reino Encantado da relatividade e da
física quântica. Alguém nos ensina que nossa poltrona favorita é formada por
grandes espaços vazios preenchidos por alguns átomos que giram a toda
velocidade. Ainda assim nós a vemos como um objeto sólido e assentamo-nos nela.
Aprendemos que o tempo varia, dependendo da força da gravidade e do movimento,
e que um astronauta que parta para o espaço poderá retornar à Terra trinta e
seis anos mais novo que o seu irmão gêmeo que aqui permaneceu. Parece melhor
deixar de lado este mundo estonteante da física moderna, com suas equações tão
longas que vão de uma ponta à outra do quadro-negro e com seus termos
amedrontadores como antimatéria, espuma quântica e buraco-negro. Pensando bem,
é melhor depender do bom e velho Newton.
Mas os cristãos não devem voltar as costas à física moderna com tanta
facilidade, porque muitos de seus princípios sobre a natureza do tempo e do
espaço foram provados por físicos e cientistas empreendedores. Além disso,
estas descobertas notáveis apresentam novos caminhos para a compreensão de algumas
doutrinas teológicas mais complicadas.
Pensemos em uma destas doutrinas: Deus não está preso ao tempo. Os cristãos vêm
repetindo, há muitos e muitos anos que "Aos olhos de Deus mil anos são
como um dia" (2Pe 3.8), expressando sua convicção de que a visão de Deus
sobre o tempo é diferente da nossa. Dizemos que Ele está além do tempo e do
espaço. Para nós, a história humana é uma seqüência de quadros fixos,
apresentados um após outro, como um filme. Mas Deus vê o filme inteiro de uma
só vez. Embora os cristãos repitam esta crença e quase todos os teólogos, desde
Agostinho, tenham-se ocupado dela, poucos a conseguem entender por
completo.
Aparece a física moderna. Hoje nos ensinam que o tempo depende do movimento e
da posição relativa do observador. Tomemos um exemplo bem primitivo. Olhando
para o céu, às 15h 12min, vejo uma estrela brilhante, o sol, que paira no
espaço a uma distância de cerca de 150 milhões de quilômetros. Na verdade, a
luz que vejo partiu da estrela há 500 segundos, e viajou à velocidade de
300.000km/s, embora eu não me dê conta de estar enxergando o resultado do que
aconteceu no astro às 15h 04min (horário da Terra). Se o sol subitamente
desaparecesse em face de um ataque furtivo de um buraco-negro voraz, eu só
saberia oito minutos depois, quando o céu ficaria escuro e eu gritaria:
- O sol foi
embora! - e me prepararia para a extinção da vida na Terra.
Imagine agora uma pessoa muito grande, quero dizer, muito grande mesmo, cuja abertura entre os
pés medisse, digamos, 150 milhões de quilômetros. Esta pessoa põe o pé esquerdo
na Terra e o direito, com um sapato de amianto, no sol. Subitamente, bate o pé
direito. Imediatamente, as labaredas solares espalham-se em todas as direções e
o sol expele gases. Oito minutos depois eu, aqui na Terra, percebo a mudança
dramática do sol.
Mas estou preso na Terra. A pessoa imensa existe parcialmente aqui e
parcialmente no sol, sua consciência engloba os dois lugares. Embora parte de
seu ser esteja na Terra, tem pleno conhecimento do movimento do pé
direito oito minutos antes de todas as outras pessoas na terra. Pergunta-se
então, o que é o tempo para esta pessoa imensa? Depende da perspectiva. Faça um
esforço mental ainda maior e imagine um Ser tão grande quanto o universo, que
existe ao mesmo tempo no planeta Terra e numa galáxia a milhões de anos-luz de
distância. Se uma estrela explode nesta galáxia distante, o Ser sabe no mesmo
instante, e mesmo assim ainda verá o evento na Terra, milhões de anos depois, como se tivesse acontecido naquele
instante. Aliás, muitas estrelas que vemos à noite podem ter se
extinguido ou terem sido engolidas por buracos-negros, mas a sua luz
continua chegando até o nosso planeta, mesmo que fisicamente elas não existam
mais.
A analogia
que fiz uso não é exata, porque tolhe este Ser no espaço, embora o liberte do
tempo. Mas pode nos dar uma idéia quanto à perspectiva limitada do conceito de
tempo adotado em nosso planeta, no qual se afirma que "primeiro acontece A
e depois B".
Deus, acima tanto do tempo quanto do espaço, pode ver o que acontece na Terra
de um modo que só nos cabe imaginar. Esta linha de pensamento joga luz sobre
debates muito antigos sobre a onisciência, presciência, livre-arbítrio
e determinismo. Um termo como "presciência" só tem sentido
quando considerado do nosso ponto de vista limitado à Terra, pois presume que o
tempo é uma seqüência de fatos, um após outro. Do ponto de vista de Deus, que
engloba todo o universo de uma só vez, o significado da palavra é
consideravelmente diverso. Falando com precisão, Deus não "prevê" os
acontecimentos. Ele simplesmente os vê,
em um presente eterno.
A eternidade é apenas uma das muitas doutrinas que recebem
luz através dos avanços da física moderna. Os novos teólogos
poderiam tirar proveito se estudassem a teoria dos universos paralelos,
usando-a para investigar o problema do mal. A teoria da interconexão de toda a
matéria e energia seria útil para abordar as palavras bíblicas sobre a
união entre os que crêem. A teoria que trata de como a consciência afeta a
matéria poderia trazer esclarecimentos sobre o poder da oração. A maioria de
nós carece de um conhecimento qualificado que nos oriente na compreensão de
muitos destes mistérios. Os zen budistas aproveitaram a oportunidade e
publicaram obras sobre como suas crenças se adaptam aos conceitos
contemporâneos da física. Espero que repensemos nossos conceitos, muitos dos
quais, ainda medievais. A fé religiosa, assim como a matéria, enfrenta
constantemente o perigo de ser engolida por um buraco-negro.
Extraído da
revista Cristianity Today.
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